Um dos temas mais pesquisados junto da palavra bruxaria na internet é amarrações amorosas, mas de onde vem essa palavra, o que são amarrações? Se você decidir perguntar a bruxas na internet se elas fazem amarrações boa parte dirá que não, mas será isso verdade? Busco elucidar abaixo a origem do termo e resgatar sua essência original.
Hoje no Brasil, o mero mencionar de “fazer uma amarração” já trás a imagem da mãe-de-santo e do trabalho feito para Exus e Pomba-giras, tarde da noite nas encruzilhadas. A amarração é uma só: do amor. Amarram-se corações, almas e destinos e se prometem prazos de 7 dias, às vezes até horas, ou a base do tapa. As pessoas costumam pagar de alguns reais até milhares, dependendo do poder aquisitivo do cliente. Essa é a imagem que mais vemos sendo repetidas nas bocas das pessoas quando se pergunta sobre esse tema.
A origem das amarrações é muito mais antiga do que imaginamos, sendo impossível traçar sua precisa origem. No passado se amarrava tanto para causar amor quanto ódio, para causar doença e para trazer cura, lucro e perdas. Agrippa, em seus Três Livros de Filosofia Oculta, nos conta que “amarravam-se ladrões para que não roubassem, amarrava-se comerciantes para que não lucrassem, mas também amarrava-se os navios para que não afundassem”. Talvez um dos melhores exemplos de amarração que temos para o público mais jovem é a Lâmpada que encarcerar o gênio em Aladdin.
A magia não é moral, os espíritos não partilham do conceito humano de bem e mal, sendo moderna essa visão, uma vez que todos os povos pediam a seus deuses as mais variadas coisas. Isso acontece pois a magia não é branca, nem negra, mas um campo energético influenciável ao nosso redor que através das palavras, movimentos e emoções, causava-se todo tipo de mudança.
Amarrar, em si, era sobre preservar por tempo definido ou indefinido um poder, um espírito ou uma idéia à algo. A mulher do campo que com poções buscava um amor, amarrava a si o puro desejo de um amor fiel e que a tratasse bem, ou que fosse rico, bonito, um alguém específico. A fidalga que desejava encantar os homens, se aproveitava do poder da sedução, despertando paixões e encanto com as poções feitas com tudo que agradava aos espíritos do amor. O caçador amarrava a si o poder de paralisar os animais, para que não fugissem. As bruxas, em Aradia – o Evangelho das Bruxas, amarravam a si poder natural, controlando o tempo com chuva, granizo e tempestade.
O poder que se buscava era amarrado através de rituais, invocações, imagens, sacrifícios, conjurações, em poções, feitiços, amuletos, anéis, cristais, objetos e até mesmo em locais. Na magia cerimonial, Salomão amarrou e encarcerou os espíritos para que servissem a ele. Na magia natural, a bruxa com poção feita de matéria mística e conectada aos espíritos telúricos e celestiais, realizava todo tipo de magia. Na magia simpática católica, os santos são ameaçados para darem ao fiel o que se busca, uma prática que era já comum entre as bruxas italianas.
Em Portugal, ainda antes da descoberta do Brasil, segundo o historiador português Francisco Bethencourt, a acentuação do individualismo no Renascimento acompanhou a exacerbação do sentimento amoroso e erótico no início da Idade Moderna, o qual fora favorecido também pelo número superior de mulheres ao de homens em Portugal e pelo maior rigor que a Igreja exigiu para a realização dos matrimônios. O amor era, o grande motivo da bruxaria em Portugal e isso se estenderia até o Brasil colonial.
Quase abandonado pela Igreja, os primeiros séculos de nossa pátria foram marcados por interpretações muito livres da teologia, em muitos casos, livres até mesmo de padres. A sexualidade era amplamente reprimida pela igreja, assim as mulheres só podiam ter vida sexual após o casamento, qualquer coisa fora desse caminho era considerado pecado.
No Brasil, diferente das amarrações européias, as bruxas de origem africana, tinham um sistema completo de espíritos e um entendimento desse mundo muito mais consoante ao mundo dos espíritos que nossa civilização, seu poder e conexão com o mundo natural era muito maior que o da bruxa européia, sua memória era mais viva. Assim, os saberes mágicos dos africanos, indígenas e europeus, começavam a se unir para criar sortilégios usados tanto por mulheres como por homens.
Assim, a busca por magia amorosa e erótica era elevada e só seria reprimida no começo do século 17, com as visitações da inquisição do Brasil. Com a chegada dos inquisidores, a igreja buscava manter o monopólio do corpo, da alma e do sagrado. Porém, não foi isso o que aconteceu. Apesar do controle, as pessoas passaram a usar dos elementos da tradição católica para realizarem feitiços, nasce um novo sincretismo, os santos, as orações, passam a servir para a bruxa com igual poder aos mistérios antigos, com a vantagem de esconder e tornar aceitável a prática. Afinal, o poder da bruxa não estava em palavras extáticas ou rituais iguais todos os dias como os católicos, ela encontraria poder na noite, no mato, na encruzilhada, na igreja, no cemitério, nada poderia parar a bruxa de atingir seu objetivo, necessitando somente da cooperação da natureza, fosse deus ou o diabo.
Assim, ao longo do tempo, amarrações amorosas se tornaram especialidade da bruxa no Brasil, deixando em apagado uma longa história (que resumi em poucas palavras) da origem do ato de amarrar poderes de todos os tipos.
Infelizmente, a arte das amarrações, sejam amorosas ou não, hoje passa por um grande preconceito dentro da própria comunidade das “bruxas” que adotaram o modo de ver do espiritismo, que se tornou essencialmente cristão e amputado de suas formas iniciais. Hoje, é comum que digam que não fazem amarrações, mas esquecem que o mero chamar dos deuses implica uma amarração, pois o poder precisa de um nó para se fixar, seja uma imagem, um amuleto, um talismã ou uma poderosa poção de amor.
Michael Nefer
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