Muitas vezes as pessoas vêm ao meu bosque curiosas com os segredos que guardo. Elas pisam em meu jardim e acreditam que estão seguras escondidas da vista da bruxa, pois elas, tal como muitos outros, acreditam que olhar nos olhos de uma bruxa é suficiente para “pegar” uma maldição, mas há também os corajosos, aqueles que ficam, entram em minha cabana e me trazem questões que carregam em seus corações.
Certa vez, um jovem rapaz bateu em minha porta trazendo uma serpente que havia abatido em meu terreno. Afoito e espantando com meu convite para entrar, ele logo postulou sua grande questão: porque nós bruxas temos tantos segredos e mistérios? E essas foram minhas palavras para ele:
Como uma bruxa, uma mulher capaz de transformar palavras, ações e crenças, é importante que primeiro você compreenda que segredos podem ser expressados, mas mistérios não.
Quando eu era criança eu imagina como era andar de bicicleta, morei por muitos anos numa rua cheia de crianças e à aquela altura todos já andavam de bicicleta e meus amigos tentavam me explicar como era, me falaram da necessidade de equilibro, movimento, quando parar e quando não, como ficar de pé na bicicleta e andar ao mesmo tempo, entre tantas outras coisas radicais e divertidas. Bem, por mais que eu tentasse imaginar todas essas coisas eu não poderia por que o “como é andar de bicicleta” é um mistério, a bicicleta como um instrumento não tem mistérios, nem andar em uma deve ser considerado um segredo, porém nem todos podem andar de bicicleta.
Sim, andar de bicicleta não é para todos, e não é por conta de limitações físicas, mas por características como labirintite, problemas de condenação motora ou até pessoas com problemas de equilíbrio. Agora se colocarmos a bruxaria no lugar da bicicleta, como uma ferramenta, da mesma forma, ninguém vira uma bruxa lendo livros, ter todos os livros de um autor ou corrente de pensamento não revela os segredos e mistérios daquilo, pois tal como imaginar como é andar de bicicleta, quando você lê um livro sobre algo você está somente lendo sobre como é aquilo, precisamente: um retrato de como é viver ou ser algo.
Na Arte das bruxas nem tudo é para todos, fosse assim teríamos um único corpo de conhecimentos, mas o que temos? Miríades de tradições e vertentes onde cada um recebe o chamado particular e segue a sua trilha de acordo com a experiência pessoal daqueles que vieram antes e que descobriram tecnologias (rituais, feitiços, encantos) que facilitam esse trabalho, e somente depois disso, vem a experiência própria de “o que é ser uma bruxa”, que é seu mistério pessoal sobre como é vivenciar esse caminho.
Mistérios são inexplicáveis em palavras humanas, certamente podemos captar em palavras e símbolos uma fração do “o que é ser uma bruxa” mas nenhuma dessas formas lhe permite experimentar diretamente esse poder. Segredos são coisas que escolhemos não falar, e posso lhe assegurar que em minha Arte pessoal o grande segredo é que nada (e tudo) está oculto, tudo (e nada) está exposto. Você somente não tem ainda a ferramenta e a tecnologia correta para interpreta-lá.
A bruxaria faz uso do poder do Espírito, nossas ferramentas são imbuídas com nossos espíritos, e quando as usamos estamos estendendo o poder que nos foi dado para transformar o que já não mais é útil em nossa jornada. Nossos olhos são os olhos do espírito, e nossa realidade a da alma. Desse modo, em seu estado de desconhecimento atual, você jamais seria capaz de compreender os segredos e mistérios do que faço aqui em minha cabana e lá fora no bosque.
Como certa vez disse um grande bruxo, Paul Huson, a bruxaria “como a trufa, cresce melhor e tem o sabor mais escandaloso, quando é profundamente escondida.”, e esse é um mistério para, quem sabe, um outro dia…
Mme. Leonora
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